Data Science + Spotify: A evolução do Psytrance, quase 30 anos depois

 


Esse gráfico é resultado de uma das primeiras investidas na minha recente jornada de aprendizado da linguagem python. Como automotivação, escolhi mergulhar nos dados disponibilizados pela API do Spotify, que gratuitamente disponibiliza informações detalhadas sobre os artistas, os álbuns e as faixas de música eletrônica. 

A intenção do gráfico - colunas empilhadas 100% - é mostrar como o psytrance evoluiu, ou seja, como ele foi se subdividindo em outros subgêneros ao longo dos últimos 29 anos. Decidi mostrar como isso se deu dividindo - e empilhando! - quanto cada subgênero representava em um determinado ano em relação ao total de lançamentos, ou seja, 100%. Aliás, o percentual é o eixo vertical do gráfico, e no eixo horizontal estão os anos, por onde se vê a evolução no tempo. O último elemento são os subgêneros em si, um de cada cor. Veja a legenda:


Esquema de cores e as BPM

Esse esquema de cores foi escolhido de forma a separar os subgêneros através das respectivas batidas por minuto (também conhecidas como BPM) médias estimadas pelo Spotify na variável tempo, e que pode ser entendida como uma medida de "agitação" da música. Quanto maior o BPM, mais agitada. Dessa forma, os tons verdes seriam os gêneros mais calmos. Os de tons quentes, como vermelho, laranja e amarelo, são as músicas mais populares e mais agitadas que as verdes, e os gêneros muito agitados, de tons frios (azul, lilás, roxo). Os tons cinza e rosa foram escolhidos para chamar a atenção já que estão entre dois grupos bem definidos (os mais calmos e os agitados), e podem ser entendidos como subgêneros de transição entre os mais calmos e os mais agitados. A escala de agitação pelas BPM médias fica assim:

Escala das BPMs médias de cada gênero.

Pode haver erro na atribuição do subgênero por parte do Spotify, e claramente há outliers nos dados, enquanto que alguns subgêneros possuem poucos álbuns e portanto pouca variabilidade, o que pode distorcer o valor real do seu BPM médio. Portanto, como toda informação a que se tem acesso, é necessário ter cuidado e ter conhecimento do contexto. Calculado por algum algoritmo de machine learning ou via crowdsourcing através dos nomes das playlists dos usuários, sempre haverá erro na atribuição do subgênero. Isso sem dizer que este é associado ao artista como um todo. Isso significa que todas as músicas do Infected Mushroom serão classificadas como psytrance, quando na verdade eles (é uma dupla) foram uns dos que mais experimentaram em termos de variedade musical e certamente não estão presos ao psytrance. Agora que você já sabe como o gráfico de colunas empilhadas 100% funciona e conhece um pouco de música eletrônica, vamos à história contada pelo gráfico.

A história que o gráfico conta

Pode não parecer, mas a partir de um único gráfico podemos aprender bastante sobre o psytrance e sua evolução ao longo desses quase 30 anos, mesmo que não conheçamos música eletrônica. Com uma observação atenta, dá para ver não só a evolução, mas a diversidade, a representatividade, a polarização da oferta e até mesmo o ciclo de vida completo de alguns subegêneros. Omiti de propósito os percentuais em cada barra nessa versão inicial para que neste primeiro momento ele seja o mais simples e limpo possível e que a atenção se dê aos movimentos das cores que as proporções desenham ao longo dos anos:


Os primeiros 10 anos

No início, de 90 a 93, só existia o psytrance. São três barras vermelhas com 100% dos álbuns. Para o ano de 1991 não foram encontrados ou não foram lançados álbuns desses subgêneros da música eletrônica. Em 1994, as primeiras subdivisões: downtempo e psychill que como subgêneros ofereciam batidas mais calmas que as do psytrance. No mesmo ano, surge também o full on, um subgênero que embora muito parecido e frequentemente confundido com o "psy", se diferencia por ser um pouco mais agitado (dentre outras características que não mencionamos aqui). O tamanho das colunas que representam os gêneros são grandes porque o número de álbuns nessa época era muito pequeno. Tudo era muito incipiente e para um artista de música eletrônica lançar um álbum completo não era fácil, estamos falando do início da era do CD, veja você. Neste ano de 94 foi possível identificar 6 lançamentos de álbuns no total. Até 2000 não foram encontrados mais do que 20 álbuns por ano, e embora os ritmos mais calmos se façam presentes ao longo desses anos, vemos o surgimento e o desenvolvimento de dois outros gêneros que compõem a parte central do gráfico: goa e nitzhonot. Esse último eu não conhecia até analisar os dados da API do Spotify, e musicalmente parece muito com o goa. Possivelmente até por isso conseguimos testemunhar seu nascimento em 1995 e "morte" em 2009. Digo "morte" porque desde então ele não está presente no gráfico, com alguma participação, mas não me surpreenderia se algum artista estiver erradamente classificado como goa, por exemplo. Então essa primeira "era" que durou quase 10 anos (1990-2000) viu o psytrance se dividir em subgêneros que embora diferenciáveis, possuíam um nível de agitação muito próximo. Algo como mais do mesmo. E aí alguns lançamentos começaram a trazer músicas um pouco mais calmas. 

Essa faixa central com as cores mais quentes é justamente a guia para se ler o gráfico como uma história, pois a partir da sua observação aí longo do tempo dá para perceber que após o surgimento do psytrance ele se subdivide em gêneros parecidos e depois de alguns anos "dominando a cena", a representatividade dessa faixa central composta por psytrance, goa e full on vai diminuindo, pressionada pelos subgêneros mais calmos e mais agitados que se situam nas partes inferior e superior do gráfico, respectivamente. 

Raves

Abaixo, como curiosidade e para ajudar na contextualização, trazemos o gráfico com o número de álbuns lançados por ano, considerando todos os subgêneros na base que consegui montar:


Número de álbuns lançados por ano e a explosão de lançamentos a partir de 2008.

Esse gráfico ajuda na visão do cenário em que a oferta de álbuns estava no fim dos anos 90: estagnação. Contudo, houve uma popularização entre os jovens da época (da qual eu orgulhosamente fazia parte) das Raves, festas que duravam horas a fio em locais mais afastados e que funcionaram como verdadeiros catalisadores de lançamentos de psy e principalmente full on, afinal de contas as festas precisavam de artistas e sons novos de tempos em tempos. A tendência continuou em alta até 2007, quando estagnou novamente.

Por outro lado, em 2001, chega o psytrance progressivo (cinza) que surgiu pela primeira vez em 2001 com e veio para ficar, inclusive nas festas. Em 2012, por exemplo, de um universo com 131 lançamentos, o progressivo tinha 15% de share, ou seja, de participação, de representatividade. É sem dúvida um dos subgêneros mais populares hoje, numa área de transição entre os mais calmos e os mais agitados. Compõem ainda essa faixa de transição o deep e o deep progressive psytrance, com participações pequenas no total e possivelmente se confundindo bastante com os dois grupos  entre os quais se situam, ou seja, o progressivo e o ambient psychill.

O psychill, aliás, também surgiu em 2001 e viria a ser um dos subgêneros com maior participação alguns anos depois, respondendo nitidamente pela perda de share do psytrance e subgeneros mais próximos no total de lançamentos. Parecia haver uma demanda por músicas mais calmas e tranquilas que só foi aumentando até 2019. 

Polarização

Mas não foram só os mais calmos que ganharam volume. Por cima, os subgêneros mais agitados também passaram a pressionar por cima a faixa central. É impressionante o dark psytrance, que com seus tons sombrios e muito frenéticos tenha ganho um espaço tão grande de 2002 a 2013. Depois perde força, mas mesmo assim vemos surgir subgêneros que parecem inaudíveis, como o hi-tech. Ou seja, o psytrance evoluiu até o ponto que existem quatro grupos bem definidos de subgêneros. Digamos, por exemplo, que nomeássemos esses grupos de acordo com o subgênero mais representativo em cada cor: teríamos dark (muito agitados), full on (agitados), progressivo (um meio termos entre músicas agitadas e calmas) e psychill (as mais calmas), com suas respectivas nuances, que são os demais subgêneros. Uma polarização nos lançamentos também pode ser vista, com a faixa central espremida entre os mais calmos e os mais agitados.

Tableau Public

Disponibilizei o tableau utilizado para fazer este post na minha galeria pública para que vocês possam interagir e complementar o que foi dito aqui, já que não dá para falar tudo, não é mesmo? O acesso é por este link. Explore as planilhas e a animação que conforme você avança vai mostrando ano após ano essas situações que falei.

Mas e você?

A API do Spotify é um terreno fértil que dá diversas ideias para aplicação de análises estatísticas, seja um gráfico ou uma técnica multivariada como clusters, por exemplo. Contudo, nada é fácil, não vou te iludir não, mas é recompensador demais depois de pronto. Se você gosta de música e precisa aprender Python, Tableau/Power Bi ou mesmo sobre as API´s, este é um excelente ponto de partida e que pode motivar você.

Espero que você tenha gostado de conhecer um pouco mais sobre o psytrance e o como o gráfico de colunas empilhados 100% pode ser útil para contar a história de evolução do psytrance através das representatividades das categorias. Se você não conhecia música eletrônica, mais especificamente o psytrance e seus subgêneros, agora pelo menos você sabe que não é tudo a mesma coisa. Você pode fazer a sua própria análise com Rock, Pop, MPB ou mesmo aplicar este gráfico para visualizar um problema do dia a dia no trabalho. É só adaptar!

Para finalizar, te convido a fazer parte da minha jornada de aprendizado que é constante, diária. Qualquer crítica ou sugestão pode entrar em contato comigo que as portas estão abertas. Colaborações, ideias, estou aqui.

Um abraço e até a próxima!

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